Do total de aprovados no Enem no ano passado,
25% mudaram de Estado
Um ano após o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ter se tornado o maior vestibular do País, um de seus resultados mais visíveis foi a mobilidade de universitários entre os Estados. De acordo com o Ministério da Educação, do total de aprovados no ano passado, 25% deixaram seus Estados de origem.
Alguns desses calouros que atravessaram o País enfrentaram sacrifícios para realizar o sonho de cursar uma faculdade. Marcello Silva Cruz, de 39 anos, trocou a quente Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, pela fria Bagé, no Rio Grande do Sul, em busca do curso de Engenharia de Energias Renováveis e Ambiente na Universidade Federal do Pampa (Unipampa).
Assim que soube que havia passado com a nota do Enem, Cruz embalou seus pertences, subiu em sua moto e, sozinho, viajou de motocicleta para o Sul. Viveu de reservas e do auxílio-moradia da universidade, de R$ 130. O dinheiro guardado acabou e ele recorre à família. "Estou muito apertado", admite o estudante, que aluga um quarto em uma casa de família por R$ 470 mensais. O esforço, diz valeu a pena. "Definitivamente, eu não teria feito outro curso."
Determinação para ultrapassar obstáculos é característica desses estudantes. Gabriela Rodrigues Portela de Carvalho, de 19 anos, aluna de Zootecnia da Universidade Rural Federal de Pernambuco (UFRPE), deixou no início do ano a casa dos avós, em Batatais, no interior paulista, rumo a Serra Talhada, a 418 quilômetros do Recife.
"A nota de corte é menor que em São Paulo", justificou. Feliz com o curso, ela não se queixa nem das escassas opções de diversão na cidade. "Vim para estudar", diz ela, cujos gastos, de R$ 500 por mês, são pagos pelos pais. Nenhuma dificuldade desanima a paulista, com exceção do calor. "É insuportável."
Pão de queijo. Sem nunca ter andado de metrô na vida, Cleiton Antoninho de Arantes, de 20, chegou este ano a Diadema, na Grande São Paulo. Sua cidade natal, a segunda menor em extensão do País, é a mineira São Lourenço. Cleiton veio para cursar Química Industrial na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mais acostumado ao caos urbano, ele conta sentir falta do pão de queijo. "Não existe igual em São Paulo", lamenta ele, que ficou surpreso com a acolhida dos colegas.
"O pessoal foi muito parceiro. Acabei indo para uma república, onde fiquei por um mês até me instalar de vez", conta Cleiton, que hoje divide uma casa com dois colegas.
Na mesma região. Gustavo Loeff Zardo, de 18, deslocou-se pouco, apenas 300 km, entre Caçador (SC) e Curitiba, para estudar Comunicação Institucional na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Antes avesso ao uso de notas do Enem para entrada na universidade, hoje ele elogia o sistema. Sua adaptação, porém, não foi fácil. Saudades de casa e falta de grana quase o fizeram desistir. "Estou no lugar certo, o que consigo aqui não conseguiria nunca lá." Sua ajuda financeira vem de um estágio na própria universidade, onde recebe R$ 490 por mês - apenas R$ 10 a menos que o aluguel do apartamento onde mora.
Outra que contou com a ajuda da mãe, de modo peculiar, foi a sergipana Suanam Glória Fontany, de 21 anos, que estuda Engenharia de Pesca na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus. "Minha mãe é paraense, sempre amou Manaus e prometeu que, se tivesse uma filha, colocaria seu nome de Manaus ao contrário", conta.
A paixão fez a estudante escolher o curso em Manaus, onde mora com uma tia. Ela pensa em pedir uma vaga na Casa do Estudante da Ufam, porque está perdendo muito tempo no trânsito da capital. "Por mim, acabando o curso, fico trabalhando e morando aqui nessa cidade para sempre."